Quando ele a pegou pelo pescoço, percebeu que era irreversível, com a percepção meio alterada, percebeu que só restava continuar. Ele pensou que ela não iria perdoar o que ele tinha começado a fazer. Rapidamente pensou que de uma maneira ou de outra, ficaria sem ela, mas o pior de tudo era ser ignorado ou rejeitado por ela. Foi aí que ele apertou seu pescoço até o fim.
Ela ficou ali com uma aparência tão frágil e imóvel, nem parecia mais aquela mulher insuportável que lhe dizia coisas duras e más. Quando ele soltou seu pescoço, ficou pesadamente distante aquela discussão, a voz que não parava de reclamar, os olhos irritados e loucos que ela tinha quando falava daquele jeito. Ele a virou de lado e a abraçou, da maneira que gostavam de deitar quando sentiam muito carinho um pelo outro. Ele colocou as pernas dela entre as dele e depois adormeceu. Sem saber, nesse cochilo ele teve o ultimo dos seus sonhos bons. Na verdade, ele sonhou com um piquenique que eles fizeram há muito tempo atrás. Ali eles se divertiam brincando de estátua até que, sentindo frio, ele buscou algo para se cobrirem, quando se deu conta de que o frio vinha do corpo morto dela.
Ele conhecia técnicas de empalhar animais e, pensando nas conseqüências de carregar um corpo até um lugar onde pudesse joga-lo ou ainda nas conseqüências de deixar que o corpo perecesse em casa, e que todos os vizinhos iriam sentir o mau cheiro e iriam chamar a policia, resolveu empalha-la.
Aos vizinhos que o viam nas raras vezes em que saia de casa, ele dizia que ela tinha viajado. Sua preocupação só começou quando a mãe dela ligou, dizendo que passaria uns dias com eles. Ele sabia que seria mais complicado dizer que ela tinha viajado, mas mesmo assim, arriscou. Pra onde? Bom, é que – ele pensou que não seria bom dizer que ela saiu sem dizer pra onde ia, depois de uma discussão – ela foi visitar uns amigos no Chile. Chile? É. Mas eu achei que ela estivesse sem grana, além do mais eu nem sabia que ela tem amigos no Chile. É. E como ela foi? Bom, ela foi, agora eu tenho que ir porque tem alguém batendo na porta.
Droga, Chile. Nem ele sabia que ela tinha amigos no Chile. Se fosse Argentina, pelo menos, tinha aquela ex-namorada. Faria mais sentido, poderiam pensar que ela foi para lá para ficar com ela, e que não contou nada à mãe para não aborrece-la novamente com essa história. Mas agora já era, ele não poderia mudar a história, senão seria suspeito.
Uma coisa tem que ser esclarecida. Ele nunca foi um assassino. Ele nunca matou sapos, nunca matou pássaros, nem ao menos formigas. Ela mesma se tivesse oportunidade, talvez o defendesse. Foi legitima defesa. Quando o amor começou a virar rancor, os dois tentaram se defender, mas a cada tentativa, o quadro se agravava. Doía tanto nela as coisas que ele fazia que ela o agredia, como um animal ameaçado. Doía tanto nele as coisas que ela dizia, que ele atacava. Foram pedaços de pau, pedras, facadas e tiros. Todos disfarçados de palavra. Quando ele segurou o pescoço dela, era o rancor que estava ali, não ela. Como num exorcismo, ele tentou livrar o corpo dela daquilo que a possuía, mas aquilo era forte demais, já havia se enraizado por todo seu pequeno ser.
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