quinta-feira, 30 de setembro de 2021

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qual o tamanho da rigidez

que a gente quebra quando

expande uma barreira?

quem expande é quem não

cabe na regra

tirar de uma caixa

poesia

fluxo de consciência

é disso que me 

alimento

esforço ou esforço para soltar

as rédeas?


cheguei lá a vizinha tava toda 

louca, sem a blusa

falando coisa com coisa

ó lá

falei

ela é doida

não é?

não é.


"fica o cheiro"

fica mais

ela era ela

autêntica

inteira

"se você quiser 

encosta teu ouvido no meu corpo"

eu poderia entregar 

se houvesse alguém para receber

é de amor

ou

compromisso?


compromissos de mãe.

acordos de mãe.

medo de fazer algo diferente 

e morrer no intervalo

é esse o controle

subjetivo é o que eu vejo

objetivo é o que acontece de fato

mas o ponto de vista sempre

pressupõe alguém

sendo assim não há um real objetivo 

e nesse caso todo o resto é subjetivo

e mediado

o que eu vejo é só o que eu 

vejo.

posso

"abrir mais a lembrança 

e tocar 

no que passou"


desatenta no que eu faço 

e atenta no que vejo

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*trechos citados: josé paes de lira



segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

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Sinto falta de caminhar 

Pela cidade sem rumo

Descobrir pormenores nas casas

No chão

Nos prédios

No muro


A primeira vez que lá andei

Olhei pro chão

No céu voei

Era um sem número de coloridos azulejos 

Encravados na calçada


Como é que aquela cidade 

Tão imensa e tão concreta

Arrebatou minha mocidade


Sinto falta de sentar 

Aquele cansaço pesado

Depois de um dia a caminhar

Saber que nas próprias pernas

Sou capaz de me sustentar


Sinto falta de saber

Aquilo tudo que eu não sei

Da escrita emparelhadinha

De sonhar 

Cantar

E amar

Rima pobre

Coitadinha


Queria agarrar na palavra

Como num rabo de foguete

Em vez disso ando apressada

Um olho pra fora

O outro pro nada


Vou fugindo sem saber

Fingindo não perceber

Aquilo tudo que eu já sabia

|:.

sexta-feira, 27 de março de 2020

Já faz quase uma semana. Foi na sexta passada, depois que me perguntaram como estou e eu respondi o que sentia naquele momento. Disse que pouca coisa mudou, que minha rotina já era bastante caseira, sempre atarefada com demandas da casa e dos filhos pequenos. Dali em diante comecei a descida. Lembrei do caminho pela estrada mais sinuosa e menos movimentada que leva até a escola dos meninos. Lembrei que nesta época do ano as mudanças na natureza são radicalmente belas, as árvores recomeçam a ter folhas novinhas e brilhantes, o caminho se enche de flor, as vinhas recuperam o aspecto esverdeado e mesmo muito ao longe a paisagem é de diversos tons de verde, algo que dura só até uma parte do verão. 

Pensei em quão precioso é sair de casa nestes dias e encher os olhos de vitalidade. Um estoque que precisa durar até os dias mais gélidos do inverno, quando escurece às cinco ou cada vez mais cedo e o vento corta cada vão de pele que encontra.

Pensei na figueira, nas amoreiras em flor. Pensei na falta de horizonte de anos atrás, quando fui engolida pela cidade grande e achava bem normal "se matar de". Se matar de trabalhar. Se matar de ficar no trânsito. Se matar de solidão em meio a uma multidão. Tudo era excessivo. Era normal ser excessivo.

Depois disso foram os grupos. A necessidade de estar junto mesmo estando longe. Depois veio a angústia de perceber que a narrativa é múltipla, torta e enviesada. E então fui ruindo. Não consigo olhar pela janela sem enxergar um pedaço do caos. O motorista a passar álcool em gel nas mãos e no volante, a fila da farmácia que só acaba quando o expediente se encerra. 
Ontem foi meu filho mais novo que perguntou quando a quarentena acaba. Hoje foi o mais velho. Ia durar duas semanas. Pois é, ia. Então vai emendar com as férias de páscoa. Pois é, vai. Que dia que a vó e a tia vem mesmo? Não sei filho. Não sei.

quarta-feira, 20 de julho de 2016

meus olhos enchem d'água e desta vez sei bem que aqui estou
olho e penso nas coisas que eu tinha
olho de novo e penso que o que importa não são as coisas
é estar aqui
penso mais e descubro que estar aqui é melhor que lá porque não preciso ver tanta desigualdade
não que ela não exista aqui
só parece menos agressiva
daí os olhos enchem d'água
angústia de não poder cuidar de tudo e todos
um dia um português me disse que o brasil se quedou com o pior dos portugueses
carecia de lá ter mais gente séria a cuidar de todas as gentes

(
a seriedade não consiste no ar sisudo e roupa na estica - pensamento tão raso
)



daí eu tinha uma professora que cortava a etiqueta de todas as roupas que usava
e jamais usava roupas com estampa da marca
e nos meus onze ou doze anos isso parecia ridículo
não sou paga por eles pra lhes fazer propaganda
dizia ela
hoje eu agradeço imenso por essa mulher que passou na minha vida
entendo tudo o que ela dizia

quinta-feira, 7 de julho de 2016

um sentimento muito louco de que dentro de uma casa qualquer país pode ser o meu país
o que me diz que estou em portugal e não no brasil o que é?
as infindáveis horas de vôo, o cansaço, meu filho que dorme pesado ali no quarto há horas ou o relógio que diz que aqui são nove e vinte e quatro da noite com céu claro ainda versus a sensação de que não é isso tudo ainda?
::no brasil ainda são cinco e vinte e cinco da tarde::


..e vem bem a calhar que a mudança da família toda agora se resuma a oito malas e algumas mochilas logo depois de reler a postagem anterior..

sábado, 27 de fevereiro de 2016

meu coração já não cabe em mim
nem meus livros
minhas roupas
meus discos

quanta necessidade de meu a gente tem
não sei pra que isso

minha mudança cabia numa mala
depois numa caixa
depois em algumas

desde a primeira vez que entrou num caminhão
a bicha não parou mais de crescer
agora eu olho e tento decifrar nas coisas
o que meu me define
e lembro da bonequinha de luxo numa revista capricho
::porque conheci cinema primeiro em revista::
eu não quero possuir coisa alguma até que saiba que encontrei o lugar onde eu e as coisas pertencemos
eu não sei onde fica esse lugar
mas sei exatamente como ele é